A LAVAGEM DE DINHEIRO NO COMÉRCIO E TRANSPORTE DO OURO

A Lei dos crimes contra a ordem econômica (Lei n° 8.176/91) disciplina em seu art. 2° que é crime de usurpação de patrimônio a produção de bens ou a exploração de matéria-prima pertencentes à União, quando tal produção e exploração não possuir a autorização legal ou quando estiver em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Essa ideia é expandida no §1° do mesmo artigo, o qual dispõe que o crime também se caracteriza na prática de outras condutas, dentre as quais a do transporte e comércio do bem da União, desacompanhado da autorização legal. Nesse sentido, o trânsito e comércio do ouro, enquanto bem e matéria-prima da União, traz ao transportador a obrigação de que apresente documento autorizativo, prestando as informações quanto a origem e quanto a transação, como, por exemplo, o nome do portador e do título que o autoriza. A importância da documentação no transporte do bem também se exige dos adquirentes, devendo estes resguardarem-se a apresentar a nota fiscal ou o recibo de venda. Vale dizer também que o ouro só poderá ser transportado dentro de sua região aurífera, a menos que o transportador transacione diretamente com uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), a qual, em verdade, é a única instituição financeira autorizada pelo Banco Central proceder com a primeira aquisição do ouro (art. 2º da Lei nº 7.766/1989). Assim, várias são as cautelas que orbitam em torno do processo de comercialização e transporte do ouro especialmente quanto as restrições e exigências ligadas à documentação. Nessa leva, a irregularidade nos processos de compra e transporte têm conduzido o Ministério Público Federal a apontar a ocorrência de compras diretas de ouro por atores não autorizados pelo Bacen o que implicaria em caráter clandestino, conforme consta nos Manuais de Atuação da referida instituição (Série Mineração ilegal de ouro na Amazônia: Marcos Jurídicos e Questões Controversas). Paralelo a isso, o MPF aduz que esse cenário implicaria em notória “lavagem do ouro”, ocorrida especialmente porque a responsabilidade pela indicação da origem é feita pelo próprio vendedor, nos termos da Lei 12.844 /2013, o que possibilitaria que a indicação fosse incompatível ao verdadeiro local de lavra, o qual poderia se dar em terras indígenas e unidades de conservação, sendo que, posteriormente, o ouro ingressaria no mercado financeiro de forma “limpa”, configurando, assim, o delito da lavagem de dinheiro. Ao ângulo das garantias de Defesa no processo criminal, este diagnóstico demandaria severa e imprescindível comprovação de que não apenas ocorreu indicação equivocada do local da lavra pelo vendedor, mas também que houve seu dolo em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, da infração penal, para a configuração do crime de lavagem de capitais, à observância do requisitos do delito (art. 1°, da Lei 9.613/1998), sob pena de que equívocos naturais ao processo burocrático não sejam indevidamente criminalizados.


Autor: Lucas Sá

Co-autor: Amilton Amorim Jr.