A metrópole partida, com um núcleo desenvolvido e outro sangrado pela desigualdade social, está cada vez mais suscetível aos efeitos das mudanças climáticas, segundo entendimento do professor e pesquisador Bruno Soeiro Vieira, da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Em palestra na XIII Jornadas Ibero-americanas de Financiamento Local, realizada em Belém, nos dias 30 e 31 de outubro, pela Associação Ibero-americana de Financiamento Local (AIFIL), Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e Divisão de Gestão Fiscal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Bruno Vieira apontou as contradições internas dos modelos de gestão das cidades, tendo como referência a Região Metropolitana de Belém, e sentenciou: as populações mais pobres, encurraladas nas periferias, vão pagar a conta mais alta dos eventos climáticos extremos.
O desenvolvimento sustentável, segundo Bruno, passa à margem da realidade de uma grande parte dos habitantes da metrópole.
Na Belém atual, mapas e estudos de georreferenciamento confirmam, por exemplo, que as regiões mais afetadas por alagamentos estão localizadas nas periferias. Com ambiguidades aparentes, assinalou o pesquisador, a metropolização de Belém conjuga um modo de vida moderno e sofisticado, em que se veem urbanização e cobertura vegetal, em choque com o déficit habitacional, a aridez e a favelização acentuada das áreas afastadas do centro, em que braços de rios se transformaram em valões.
“Esses aspectos contraditórios resultantes do paradigma atual de metropolização precisam ser enfrentados pelo poder público e a sociedade, desde o momento da concepção, da execução e da gestão de uma política de desenvolvimento urbano e metropolitano que seja diferente de tudo aquilo que já foi realizado”, afirmou Bruno.
O debate sobre “Desafios das relações intergovernamentais diante dos eventos extremos e mudanças climáticas” encerrou a XIII Jornadas Ibero-americanas de Financiamento Local.
Para a professora Maria Amélia Enriquez, uma das organizadoras do evento, os temas abordados são inspiradores. “O professor Bruno evidencia a complexidade das questões urbanas nas metrópoles, que envolvem 60% da população brasileira. As áreas sujeitas a risco são as mais pobres, o que caracteriza uma injustiça climática. Por consequência, uma injustiça tributária. Quem mais sofre as mudanças climáticas é quem menos tem capacidade contributiva”, destacou Maria Amélia.
A professora, economista, PhD em desenvolvimento sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), disse que as pessoas ficaram “realmente impactadas” com a variedade de temas e a qualidade dos trabalhos apresentados. “O evento teve 150 participantes, fora quem participou pela internet. Com 50 trabalhos inscritos e 12 selecionados. Apresentações da Espanha, do Paraguai, do Uruguai, Chile, Brasil, de várias regiões, setores públicos, academia, agências internacionais, como BID e CEPAL. Esse tipo de evento é muito inspirador”, assinalou.
Entre os assuntos abordados nas palestras e mesas-redondas, Maria Amélia Enriquez destacou a discussão sobre o federalismo, em que se falou da falta de autonomia de Estados e municípios e do aumento de gastos públicos como resultado da mudança climática. “Como resolver os problemas financeiros dos entes nacionais, e com um ingrediente adicional da reforma tributária que, pelo que se viu, vai centralizar ainda mais a renda? O papel da academia é debater esse tema com a sociedade e discutir as políticas que são decisivas para a nossa vida futura”, disse a professora.
O professor e pesquisador Juan Pablo Jimenez, membro fundador da Associação Ibero-americana de Financiamento Local (AIFIL), destacou o êxito do evento. “A discussão foi muito frutífera. Os temas abordados são os principais problemas da humanidade, como as mudanças climáticas e os questionamentos sobre como as políticas públicas locais podem responder a esses desafios. Estamos muito entusiasmados com a possibilidade de que as coisas que se discutiram no evento possam a chegar à COP 30 no ano que vem”, afirmou.